Eu tinha apenas 14 anos, e
já notava o quanto as
pessoas consideravam aquela
senhora repulsiva.
Seu nome era Conceição.
Trajava uma blusa azul
rasgada, uma muleta metálica
toda esfolada, um prendedor
de cabelos amassado, um
vestido até os joelhos e
sempre se sentava no último
banco.
Sabíamos que nunca a igreja
ficaria fechada, fosse no
Carnaval, com os retiros,
fosse no dia de Ano Novo,
Natal, Dia da Pátria ou
qualquer outro evento em que
quase todos viajassem.
A irmã Conceição não
faltaria. Isso era tão certo
quanto dizer que Belo
Horizonte fica em Minas
Gerais.
Mulher pobre, morava com uma
filha solteirona.
Notava-se que tinha pouca
higiene, não por ser suja,
mas por ser idosa e não
haver pessoas que cuidassem
dela. Seus outros filhos
eram todos já sessentões e
haviam seguido caminhos
tortuosos, alguns eram
bêbados, outros vagabundos,
enfim, não era o que se
esperava de uma família
cristã.
Ah, mas isso fora resultado
de uma vida sem Deus em
outros tempos. Vinda de
Portugal, Conceição não
tinha o temor do Senhor.
Viúva precoce, lutou como
poucas para sustentar os
seus filhos. Lavou roupas,
foi doméstica, fez
salgadinhos, ela foi uma
heroína. Agora, idosa, já
pelos 90 anos, estava na
época de usufruir da
gratidão dos filhos que,
infelizmente, não acontecia.
Há alguns anos Conceição
conhecera a Cristo durante
um culto ao ar livre. O
irmão Idelino Lopes de
Oliveira, hoje Pr. Idelino,
pregava num culto da
pracinha. Conceição o ouvia
com atenção, até que, não
podendo mais evitar a emoção
e o desejo, entregou-se a
Cristo, tornando-se naquela
tarde mais uma remida pelo
Cordeiro de Deus.
Foi batizada e desde o
início tornou-se membro de
nossa Igreja (Batista de
Sumarezinho, São Paulo, SP).
Eu, convertido aos 14 anos,
já a encontrei com anos de
igreja.
Mas eu percebia algo
impressionante: Conceição
nunca fora eleita para cargo
algum. Seu nome nunca fora
cogitado para nada, nunca
compôs qualquer comissão,
jamais estivera à frente de
qualquer atividade da
igreja.
Aliás, as pessoas nem
gostavam muito dela,
principalmente de pedir-lhe
que orasse. Suas orações
eram longas, comovidas, sua
voz era trêmula, suas
palavras difíceis de se
entender, com mistura de
sotaques.
Geralmente ela entrava muda
e saía calada, apesar de
alguns a cumprimentarem
quando não tinham outra
opção. Pela manhã e à tarde,
ao abrir os portões, a
zeladora contemplava
Conceição, a primeira a
chegar. E ao término das
atividades, quando a bênção
era impetrada, Conceição ia
embora, descendo a ladeira,
mancando com sua velha
bengala.
Quantos problemas nossa
igreja passara em 4 anos!
Problemas com membros,
problemas entre igreja e
pastor, problemas de saúde,
problemas de assalto,
problemas de toda espécie.
Mas, miraculosamente, no
meio das aflições e da
expectativa de estarmos no
final da estrada, sem a
mínima possibilidade de
solução, sem futuro, uma
bênção inesperada acontecia,
um novo caminho e uma
brilhante solução despontava
ante os olhos estarrecidos e
estupefatos de toda a
congregação. E, ao darmos
graças, lá estava Conceição,
quietinha, lágrimas nos
olhos e sempre uma palavra
de Conforto para nos dar.
Deixei a igreja para
congregar em outra. Foi lá
na outra que recebi a
notícia:
Conceição adoeceu e quer
vê-lo. Meu Deus, ela
adoecera mais ainda? E
agora? Fui visitá-la.
Tadinha, sofria tanto
naquela cama, sem cuidados,
mas estava tão feliz e
alegre! Ela orava, e orava,
e orava!!! Não havia o que
confortá-la.
Eu é que saí confortado!
Certa noite o pastor disse
que ela pediu para que
deixassem-na partir para a
Glória Celestial, pois Jesus
a chamava. E Jesus a levou.
Passados os primeiros dias,
a igreja tomou conhecimento
de um tesouro inigualável,
algo assustador,
maravilhoso, celestial,
impressionante. Entre os
seus míseros e parcos
pertences (um móvel velho,
sua cama quebrada, seus
farrapos de vestir, seus
velhos objetos e bíblia),
encontraram cadernetas.
Havia cadernos e mais
cadernos, cadernos surrados,
cadernos velhos, rotos,
costurados, amarelados, com
letras tão mal-escritas, à
lápis, à caneta, à pena,
cadernos escritos por dentro
e por fora. Eram os CADERNOS
DE ORAÇÃO.
Descobrimos que Conceição
era muito mais do que
qualquer um de nós poderia
imaginar. Encontrei o meu
nome naquele caderno.
Encontrei quando entrei na
igreja como visitante,
encontrei quando adoeci
mortalmente em 1982,
encontrei anotações de
agradecimento, e pelo futuro
ministério que um dia teria.
Encontramos os nossos nomes
todos ali.
Aos poucos começamos a
entender porque Sumarezinho
nunca sucumbira ante os
ferrenhos ataques
terroristas do Diabo:
Conceição não dormia, ela
orava! Ela clamava!
Vi o nome de quem nunca a
cumprimentou! Vi o nome de
pessoas que a chamavam de
"velha fedida"! Vi o nome de
gente granfina que nunca
imaginou ser alvo das
orações de alguém.
Ali estava um tesouro
incomensurável, em "vasos de
barro", em papel velho e
amarelo, que representava
muito mais do que todos nós
um dia já havíamos oferecido
a alguém ou a Deus.
O meu nome estava lá. Cada
situação, cada dificuldade,
cada desafio. Conceição
orava por mim. E por que? O
que eu havia feito para
merecer as suas orações?
O que os pastores que nunca
a recomendavam para cargo
algum faziam para figurar em
suas constantes súplicas?
Cada presidente da
República, cada artista de
TV, cada pregador visitante,
cada criancinha que nascia,
estávamos todos lá, sendo
apresentados a Deus pela
Conceição.
Minhas palavras na época
foram: "Meu Deus, quem
ocupará o lugar dela?"
Ninguém. Aliás, ninguém de
que se tenha notícia, pois
pode bem acontecer de outra
Conceição ter se colocado
"na brecha" e esteja orando,
orando, orando...
Como sinto vergonha, dor,
rubor de faces, ante a
grandeza da Conceição e a
minha pequenez! Ela nunca
pediu NADA para si, nada
havia em seus cadernos por
si própria, mas pedia tudo
para os outros! Que
resignação, que vida em prol
do próximo, que abnegação
desmedida!
Conceição é uma das heroínas
da fé que passearão com
Cristo com vestes
resplandecentes e coroa na
cabeça. Em lugar da muleta
terá palmas para saudar o
Rei por quem viveu o tempo
todo em que foi crente. Seu
nome está não em um
caderninho, mas no Livro da
Vida do Cordeiro!
E eu me pergunto: quem, além
da Conceição, foi tão
esquecido quanto ela? Nós
não éramos dignos de uma
mulher de sua qualidade e
coração! Ela foi "um dom de
Deus" para nós, foi a nossa
intercessora.
O que eu tenho sido nas mãos
de Deus? O que nós temos
sido diante d’Aquele que um
dia teve aos Seus serviços
uma serva como Conceição?
Quisera eu que mais
Conceições surgissem hoje.
Talvez pela falta delas é
que nossas igrejas estão tão
pobres espiritualmente,
ainda que muitas tenham
tesouros que a traça corrói
e os ladrões roubam!
As riquezas que Conceição
buscava as nossas igrejas
hoje têm esquecido, por isso
cambaleiam ante os "Boeings"
que o Diabo-Terrorista atira
contra as nossas estruturas
interiores.
"Senhor, obrigado porque um
dia houve uma Conceição que
orou por mim". Obrigado
porque as orações dela foram
atendidas. Ajuda-me, Senhor,
a seguir o exemplo daquela
tua serva, há tantos anos
dormindo em Cristo, para que
novos heróis e heroínas na
fé se apresentem para ocupar
a brecha que ficou vazia.
Em nome de Jesus. Amém."
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