EVANGELHO – BOAS NOVAS
A palavra evangelho não foi criada por Jesus nem por seus discípulos.
Era uma palavra de uso comum nas comunidades antigas. As guerras entre
os povos eram constantes. As dificuldades de comunicação entre os
guerreiros e suas cidades de origem eram muito grandes. As famílias,
principalmente, aguardavam ansiosamente por notícias de seus filhos nos
campos de batalha. O meio utilizado para isso era o envio de
mensageiros, os quais traziam notícias sobre o sucesso ou fracasso dos
soldados. A chegada do mensageiro era muito esperada. Quando ele chegava
com boas notícias, então recebia uma recompensa por seu esforço. Esse
presente era chamado "evangelho". Era também realizada uma festa
comemorativa, que também passou a ser chamada "evangelho".
Jesus é o mensageiro de Deus que veio anunciar sua própria vitória sobre
as forças das trevas e a libertação do homem. Assim, no Novo Testamento,
a palavra evangelho adquire o significado de mensagem da salvação
através da obra de Cristo a favor do homem (Mt.4.23; 24.14). A tradição
cristã estende esse significado, usando a palavra evangelho para
identificar cada um dos quatro primeiros livros do Novo Testamento, os
quais apresentam relatos sobre a vida de Cristo. Assim, surge o uso
plural da palavra. Nos tempos da igreja primitiva, isso seria
considerado absurdo, uma vez que, para os primeiros cristãos, o
evangelho era único. Outro evangelho seria considerado anátema. Como
então poderia haver evangelhos? Entretanto, tal designação para os
quatro evangelhos se firmou e se tornou definitiva.
ASPECTOS GERAIS DOS QUATRO EVANGELHOS
Pluralidade – Poderíamos ter 1 evangelho nas Escrituras e isso
poderia ser satisfatório. Contudo, Deus quis que fossem quatro. Esta
pluralidade tem sua razão de ser e seu objetivo. Um dos motivos nos
parece ser o valor do número de testemunhas. A lei mosaica determinava
que o testemunho contra alguém deveria ser dado por duas ou três pessoas
e nunca por uma só (Dt.17.6). O mesmo princípio é utilizado por Cristo
em Mt.18.16. O número de testemunhas é importante na determinação da
veracidade de um fato. Assim, era importante que duas ou três
testemunhas dessem testemunho sobre a vida, a morte e a ressurreição de
Jesus. Nos processos jurídicos as testemunhas continuam sendo muito
importantes até hoje. Em muitos casos não é possível a prova científica.
Cabe então a prova testemunhal. Todo testemunho deve ser registrado por
escrito. Assim também aconteceu com os relatos sobre Cristo. Alguns
escritores dos evangelhos podem não ter sido testemunhas oculares dos
fatos ali narrados. Entretanto, escreveram o que as testemunhas
disseram. A pluralidade dos evangelhos é também valiosa por nos
apresentar a mesma história vista sob ângulos diferentes.
Objetividade – Os evangelhos foram escritos tendo-se em vista um
objetivo definido: anunciar as boas novas de salvação. Por esta causa,
os escritores não se dedicaram a registrar pormenores da vida de Cristo,
sua infância, seus hábitos diários, seu trabalho na carpintaria, etc.
Eles se limitaram a mencionar a origem de Cristo (humana e divina), seu
ministério (ensinamentos, milagres), sua morte, ressurreição e ascensão.
Uma grande parte de cada evangelho se dedica a narrar os fatos da última
semana do ministério de Cristo. (Veja João 21.25).
Unidade - Apesar de serem quatro os evangelhos, eles são
harmônicos entre si. É possível se construir um relato coerente reunindo
os 4 evangelhos. Eles se completam.
Diversidade – Apesar da unidade entre os evangelhos, eles não são
iguais. Se assim fosse, não faria sentido a existência de quatro.
Bastaria um. Existem diversas diferenças entre eles. Contudo, diferença
não significa contradição. São quatro relatos distintos sobre os mesmos
fatos. Algumas narrativas ou ensinamentos são apresentados
exclusivamente por um escritor ou apenas por dois ou por três ou pelos
quatro E mesmo entre narrativas do mesmo fato, existem diferenças entre
os detalhes. Por exemplo, autor diz que Jesus curou um cego em Jericó. O
outro diz que foram dois cegos. Um não contradiz o outro. Se Jesus curou
um cego, ele pode muito bem ter curado outro. A contradição haveria se
um autor negasse a afirmação do outro. As diferenças podem advir de
várias causas. Duas narrativas normalmente relacionadas podem, na
verdade, ser referência a dois episódios distintos. Uma outra
possibilidade é a omissão de algum detalhe, já que tais relatos foram,
no princípio, transmitidos oralmente. Assim, algum ponto poderia ser
esquecido por um narrador, mas lembrado por outro. Nesse processo, o que
prevalece é a nossa fé no cuidado divino para que a essência do
evangelho chegasse a nós de forma íntegra. Entre os evangelhos,
observa-se maior semelhança entre Mateus, Marcos e Lucas. Por isso, são
chamados sinóticos, ou seja, possuidores da mesma ótica. Esse termo foi
usado pela primeira vez por J.J. Griesbach, em 1774. O evangelho de
João, por sua vez, apresenta um estilo todo particular.
Ordem - Os livros não se encontram dispostos em nossas Bíblias na
mesma ordem em que foram escritos. Além disso, os próprios fatos
narrados não seguem ordem cronológica, principalmente no livro de
Mateus.
Motivos – Os evangelhos foram escritos para responder aos
questionamentos da comunidade do primeiro século e também para combater
as mentiras dos inimigos a respeito de Jesus. Os apóstolos começavam a
morrer e tornava-se então imperioso que se registrassem suas memórias
sobre o Salvador. Além disso, existiram também os motivos particulares
de cada escritor, conforme veremos no estudo de cada livro.
FORMAÇÃO DOS EVANGELHOS SINÓTICOS
Sobre a formação de todos os evangelhos podemos considerar a seguinte
equação:
Fonte oral + fonte escrita + testemunho pessoal (em alguns casos) =
evangelho
Sobre os evangelhos sinóticos, existem várias sugestões do processo de
formação. Isto se deve às semelhanças observadas ntre Mateus, Marcos e
Lucas, o que leva a se supor que um tenha utilizado o escrito do outro,
ou que tenham tido acesso às mesmas fontes.
Uma das principais hipóteses das fontes apresenta o evangelho de Marcos
como o primeiro a ser escrito. Além deste, haveria também uma fonte
denominada "Q", contendo relatos sobre a vida de Cristo. Mateus e Lucas
teriam então se utilizado do evangelho de Marcos e da fonte "Q" para
produzirem seus evangelhos. Teriam também usado material exclusivo.
Mateus teria tido acesso a uma fonte "M" exclusiva e igualmente Lucas a
uma fonte "L".
Assim, os relatos comuns entre Mateus, Marcos e Lucas, seriam material
original de Marcos. Os relatos comuns entre Mateus e Lucas e
desconhecidos por Marcos seriam o conteúdo da fonte "Q". O material
exclusivo de Mateus seria da fonte "M" e o material exclusivo de Lucas
seria da fonte "L". Contudo, existem muitas dúvidas sobre a existência
dessas fontes (Q,M,L) e se elas seriam escritas ou orais. Sobre a fonte
"Q", por exemplo, existe a hipótese de que a mesma não tenha existido,
mas que todo esse material tenha sido transferido de Mateus para Lucas
ou vice-versa.
Marcos possui 678 versículos.
Mateus possui 1071 no total. Destes, 600 versículos correspondem
a 606 de Marcos, ou seja, Mateus faz as mesmas narrativas de modo quase
idêntico. Mateus possui 300 versículos exclusivos (M). Os outros 171
podem ter vindo da fonte "Q" e encontram semelhança com parte de Lucas.
Lucas possui 1151 no total. Destes, 380 versículos correspondem a
280 de Marcos, ou seja, Lucas faz as mesmas narrativas de modo mais
extenso. Lucas possui 520 versículos exclusivos (L). Os outros 251 podem
ter vindo da fonte "Q" e encontram semelhança com parte de Mateus.
Isolando-se o material atribuído à fonte "Q", obtém-se um escrito
semelhante ao estilo profético do Velho Testamento. Seriam partes
referentes a João Batista, o batismo, a tentação, muitos ensinos, pouca
narrativa, e nada sobre a morte de Cristo.
PROPAGAÇÃO DO EVANGELHO E TIPOS DE EVANGELHO
Motivo, conteúdo e objetivo estão interligados. Motivo é o elemento que
impulsiona alguém para determinada ação. Objetivo é o que se espera
atingir ou realizar. No caso dos evangelhos, os motivos foram as
necessidades da comunidade, a carência de registros fidedignos sobre
Cristo. O objetivo maior é a salvação das almas. O evangelho é o "poder
de Deus para a salvação..." (Rm.1.16). A preposição "para" determina o
objetivo.
Precisamos questionar hoje os motivos que nos movem como pregadores do
evangelho. Nos dias de Paulo, foram observados motivos diversos
(Fil.1.15-19): inveja, contenda, boa mente e amor. Contudo, disse o
apóstolo, importa que o evangelho seja pregado. Isto porque, mesmo com
motivos errados, o objetivo pode, eventualmente, ser atingido, ou seja,
mesmo que alguém pregue por inveja muitos podem ser salvos, já que o
evangelho é o poder de Deus. Não obstante, o mau obreiro não ficará
impune. Poderá até mesmo ser alguém que ajudou a construir a arca mas
não entrou nela, ou como uma placa que aponta o caminho mas não o segue.
O problema torna-se maior quando aos motivos errados somam-se objetivos
estranhos ao evangelho. Então, o próprio conteúdo passa a ser deformado
a fim de atingir propósitos escusos ( 2Pd.2.1-3). Observa-se então o
surgimento de um "evangelho comercial", onde as pessoas são estimuladas
a fazerem negócios com Deus. Desse pensamento surge o "evangelho da
prosperidade", o qual deixa para segundo plano a questão da salvação das
almas e se dedica à salvação do orçamento. Toda benção material sempre
será bem-vinda. Contudo, não podemos fazer disso o propósito do
evangelho nem efeito essencial da sua eficácia. Zacarias profetizou
sobre Cristo, apresentando-o como um rei pobre, humilde e que vinha
montado em um jumentinho, quando o natural seria um rei rico montado num
elegante cavalo. Contudo, o profeta diz que o Messias é justo e
salvador. Eis aí o valor e o propósito do evangelho: justiça e salvação
(Zc.9.9). Cai no mesmo erro a Teologia da libertação, a qual interpreta
a salvação e a libertação oferecidas por Cristo como um rompimento das
opressões sociais.
Cabe a cada um de nós o zelo pelo evangelho bíblico e por seu legítimo
objetivo. Que não sejamos mercadores da palavra de Deus. É legítimo o
sustento aos que trabalham na obra de Deus. O erro consiste em fazer do
benefício pessoal a causa da obra. Igreja não é empresa. Ministério não
é profissão. Evangelho não é negócio.