Foi tudo muito rápido. A
executiva bem-sucedida
sentiu uma pontada no peito,
vacilou, cambaleou. Deu um
gemido e apagou. Quando
voltou a abrir os olhos,
viu-se diante de um imenso
Portal.
Ainda meio zonza,
atravessou-o e viu uma
miríade de pessoas.Todas
vestindo cândidos camisolões
e caminhando despreocupadas.
Sem entender bem o que
estava acontecendo, a
executiva bem-sucedida
abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso
voltar urgente para o meu
escritório, porque tenho um
meeting importantíssimo.
Aliás, acho que fui trazida
para cá por engano, porque
meu convênio médico é classe
A, e isto aqui está me
parecendo mais um
pronto-socorro. Onde é que
nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É.
- Tipo assim... o céu,
CÉU...! Aquele com querubins
voando e coisas do gênero?
- Certamente. Aqui todos
vivemos em estado de gozo
permanente.
Apesar das óbvias evidências
nenhuma poluição, todo mundo
sorrindo, ninguém usando
telefone celular), a
executiva bem sucedida
custou um pouco a admitir
que havia mesmo apitado na
curva.
Tentou então o plano B:
convencer o interlocutor,
por meio das infalíveis
técnicas avançadas de
negociação, de que aquela
situação
era inaceitável. Porque,
ponderou, dali a uma semana
ela iria receber o bônus
anual, além de estar
fortemente cotada para
assumir a posição de
presidente do conselho de
administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor
sugeriu:
- Talvez seja melhor você
conversar com Pedro, o
síndico.
- É? E como é que eu marco
uma audiência? Ele tem
secretária?
- Não, não. Basta estalar os
dedos e ele aparece.
- Assim?
(...)
- Pois não?
A executiva bem-sucedida
quase desaba da nuvem. À sua
frente, imponente, segurando
uma chave que mais parecia
um martelo, estava o próprio
Pedro. Mas, a executiva
havia feito um curso
intensivo de approach para
situações inesperadas e
reagiu rapidinho:
- Bom dia. Muito prazer.
Belas sandálias. Eu sou uma
executiva bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra
estranha. De que século você
veio?
- Do 21. O distinto vai me
dizer que não conhece o
termo 'executiva'?
- Já ouvi falar. Mas não é
do meu tempo..
Foi então que a executiva
bem-sucedida teve um
insight. A máxima autoridade
ali no paraíso aparentava
ser um zero à esquerda em
modernas técnicas de gestão
empresarial. Logo, com seu
brilhante currículo
tecnocrático, a executiva
poderia rapidamente assumir
uma posição hierárquica, por
assim dizer, celestial ali
na organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se
você me permite, eu gostaria
de lhe fazer uma proposta.
Basta olhar para esse povo
todo aí, só batendo papo e
andando a toa, para perceber
que aqui no Paraíso há
enormes oportunidades para
dar um upgrade na
produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque
tenho PHD em reengenharia.
Por exemplo, não vejo
ninguém usando crachá. Como
é que a gente sabe quem é
quem aqui, e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Entendeu o meu ponto? Sem
controle, há dispersão. E
dispersão gera desmotivação.
Com o tempo isto aqui vai
acabar virando uma anarquia.
Mas nós dois podemos
consertar tudo isso
rapidinho implementando um
simples programa de targets
individuais e avaliação de
performance.
- Que interessante. ..
- É claro que, antes de
tudo, precisaríamos de uma
hierarquização e um
organograma funcional, nada
que dinâmicas de grupo e
avaliações de perfis
psicológicos não consigam
resolver.
- !!!...???... !!!...???
...!!!
- Aí, contrataríamos uma
consultoria especializada
para nos ajudar a definir as
estratégias operacionais e
estabeleceríamos algumas
metas factíveis de leverage,
maximizando, dessa forma, o
retorno do investimento do
Grande Acionista... Ele
existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Ótimo. O passo seguinte
seria partir para um
downsizing progressivo,
encontrar sinergias
high-tech, redigir manuais
de procedimento, definir o
marketing mix e investir no
desenvolvimento de produtos
alternativos de alto valor
agregado. O mercado
telestérico, por exemplo, me
parece extremamente
atrativo.
- Incrível!
- É óbvio que, para
conseguir tudo isso, nós
dois teremos que nomear um
board de altíssimo nível.
Com um pacote de remuneração
atraente, é claro. Coisa
assim de salário de seis
dígitos e todos os fringe
benefits e mordomias de
praxe. Porque, agora falando
de colega para colega, tenho
certeza de que você vai
concordar comigo, Pedro. O
desafio que temos pela
frente vai resultar em um
Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos
partir para a implementação?
- Não. Significa que você
terá um futuro brilhante...
se for trabalhar com o nosso
concorrente. Porque você
acaba de descrever,
exatamente, como funciona o
Inferno... |