Nota do
Núcleo
de Apoio Cristão: Este artigo foi
postado para servir de
reflexão
Para
especialistas, o descrédito
da liderança evangélica
perante a sociedade se deve
em grande parte a deslizes
éticos e morais cometidos
pela própria Igreja.
Deu na CNN: jovem
pastor de uma das maiores
denominações evangélicas da
Austrália confessou ter
mentido nos últimos dois
anos para a igreja, família
e amigos, dizendo que tinha
câncer. Para se passar por
doente em fase terminal, ele
chegou a raspar o cabelo e
as sobrancelhas e andava com
um tubo de oxigênio ligado
ao corpo. A farsa lhe rendeu
milhares de dólares,
arrecadados junto aos fiéis
de sua igreja para o suposto
tratamento, que nunca
aconteceu. Segundo palavras
do próprio impostor, o
pastor Mike Guglielmucci, a
“vida dupla” serviu, entre
outras coisas, para ocultar
seu maior pecado – o vício
na pornografia, fato narrado
na reportagem O Evangelho
segundo o SexxxChurch, nesta
edição. Rumorosas também
foram as quedas de ícones
dos púlpitos, como o
televangelista americano
Jimmy Swaggart, flagrado com
prostitutas, ou o pastor
brasileiro Caio Fábio
D’Araújo Filho, um dos mais
destacados líderes
evangélicos já surgidos no
país, que há exatos dez anos
revelou um caso
extraconjugal que abalou seu
multifacetado ministério.
Se é verdade que todo o ser
humano vive em crise de
integridade desde o pecado
original, também é fato que
este mal nunca assolou tanto
os líderes evangélicos,
freqüentemente envolvidos em
escândalos muito diferentes
do “escândalo do Evangelho”
citado pelo apóstolo Paulo.
Coincidência ou não, recente
pesquisa do Ibope revelou
que o número de pessoas que
não confiam nas igrejas
evangélicas subiu de 41%
para 44%, e o contingente de
pessoas que confiam nelas
caiu para 52 por cento.
Segundo o instituto de
pesquisas, isso fez com que
as igrejas evangélicas
despencassem da 8ª colocação
para a 11ª posição entre as
instituições mais
confiáveis, atrás de
instituições como a TV,
empresas privadas e até dos
produtores de soja.
Para o historiador Ziel
Machado, secretário da
Comunidade Internacional de
Estudantes Evangélicos (CIEE),
não há dúvida: a crise de
integridade das lideranças
religiosas é a principal
responsável por essa queda
na credibilidade das
instituições evangélicas.
Para ele, há outros
termômetros tão precisos
quanto as pesquisas para
aferir isso. “Basta uma
simples observada nas
livrarias cristãs. Nunca se
viu um volume tão grande de
obras abordando essa
temática da crise de
integridade entre os
pastores”, diz. O escritor
Jaime Kemp, mestre em
teologia e doutor em
ministério familiar, é autor
de duas dessas obras. Ele
lançou, há algum tempo, os
livros Pastores em perigo e
sua continuação, Pastores
ainda em perigo (Editora
Hagnos), nos quais aborda o
problema. “A Igreja
Evangélica tem padecido com
a escassez de integridade em
sua liderança, seja em nível
moral ou na vertiginosa e
constante quebra dos
relacionamentos familiares”,
constata.
Kemp, que é referência no
segmento evangélico
brasileiro quando o assunto
é família, identifica nessa
crise um dos principais
motivos do descrédito social
em relação aos crentes,
sobretudo em relação à
sociedade em geral. “Essa
triste realidade tem abalado
a nossa credibilidade não
somente nas igrejas, mas
também em um mundo crítico e
observador, que não perde as
oportunidades, já volumosas,
para tripudiar a Igreja de
Cristo”, lamenta.
Mau
testemunho – Para
a professora Durvalina
Barreto Bezerra, diretora e
coordenadora de ensino do
Seminário Evangélico Betel,
a sociedade tem
desacreditado da liderança
evangélica por conta do
péssimo testemunho de
alguns, que não praticam o
que pregam. “São pastores
broncos, mal-formados,
imaturos, que dão vexame na
política e na televisão, com
deploráveis deslizes éticos
e morais”, critica. Segundo
ela, esses pastores e
líderes têm seguido o
Evangelho sem observar os
critérios estabelecidos por
Cristo para uma vida moral e
espiritual autêntica.
“Querem as bênçãos divinas,
mas não o compromisso com a
verdade que transforma, com
a vida moral exemplar e,
mais do que isso – não
querem andar como Jesus
andou.”
É bem verdade que os
escândalos de natureza
sexual costumam provocar
desastres dentro das
igrejas, mas não chamam
tanto a atenção de quem é
“de fora” quanto outros
tipos de deslizes. Afinal, a
indissolubilidade do
casamento não tem tanto
apelo fora dos arraiais
evangélicos. Desta forma,
atos como malversação de
recursos e exploração da
boa-fé alheia rendem muito
mais “frutos podres” para a
Igreja. “Milagreiros,
exploradores de dízimo,
estelionatários,
desrespeitadores de outras
religiões: estas são algumas
das alcunhas mais
freqüentemente utilizadas
pela opinião pública a fim
de desqualificar um
crescente número de pastores
evangélicos Brasil afora”,
aponta o psicólogo Ageu
Heringer Lisboa, mestre em
ciências da religião e um
dos fundadores do Corpo de
Psicólogos e Psiquiatras
Cristãos, o CPPC. Para ele,
o descompasso entre o
inchaço da presença dos
crentes na população e a
questão ética ganhou maior
dimensão no país a partir da
década de 1950, com o início
da predominância das
teologias mais subjetivistas
e emocionais, típicas do
neopentecostalismo. “Da
periferia do sistema, aos
poucos eles chegaram às
classes médias e à mídia.
Sem o mínimo senso de
obediência a um coletivo
dirigente, por qualquer
discordância alguém se
desliga de um grupo e funda
o seu próprio”, diz.
O terapeuta lembra que a
natureza do trabalho
pastoral, em sua acepção
bíblica original, é a de
alguém que vive em comunhão
com Deus, é instruído nas
Escrituras e tem vocação e
preparo para cuidar de
pessoas espiritualmente
desorientadas e ensinar a
Palavra. “Os termos
‘trabalho pastoral e
terapêutico’ se assemelham
semanticamente, significando
cura ou cuidado com as
almas. Isso traz uma
exigência ética específica –
a de que esses pastores se
mantenham íntegros, moral e
profissionalmente”, pondera.
No entender de Ageu, é
compreensível essa cobrança
pelo lugar que pastores e
líderes ocupam no imaginário
popular. “Sacerdotes, desde
tempos imemoriais,
supostamente estão mais
próximos da divindade ou
conhecem o mundo espiritual.
A população necessita de
referenciais de integridade,
precisa encontrar pessoas
dignas no meio de tanta
imoralidade e corrupção.
Quando ocorre um pecado
grave, como adultério ou
falcatrua, isso desperta
decepção, revolta e angústia
no Corpo de Cristo”,
completa.
Moralismo inútil –
Para muita gente, a eclosão
recente de escândalos entre
a liderança religiosa pode
ser apontada como sinal do
fim dos tempos. E é evidente
que eles não se resumem aos
arraiais evangélicos. De uns
anos para cá, o catolicismo
tem sido abalado pelos casos
de pedofilia envolvendo
sacerdotes em diversos
países, inclusive nos
Estados Unidos, onde a
Igreja Católica tem sido
obrigada a arcar com
indenizações milionárias às
vítimas de abusos sexuais
praticados por padres. No
Brasil, costuma-se atribuir
os problemas à liderança no
meio pentecostal ou
neopentecostal – o que é um
preconceito, na avaliação do
sociólogo Gedeon Alencar,
diretor do Instituto Cristão
de Estudos Contemporâneos (Icec),
de São Paulo. “Clérigos,
reverendos e outras
sumidades tradicionalistas
não agem muito diferente. A
diferença é que uns são
descobertos, outros não”,
diz.
O sociólogo considera
pretensioso e apressado o
apontar culpados, coisa que
invariavelmente se faz
quando o tema “crise de
integridade” vem à tona. “É
preciso ter cuidado para não
cairmos num moralismo
inútil, como se, em geral,
tivéssemos um povo puro,
honesto e cumpridor de seus
deveres, mas a liderança
evangélica fosse péssima”,
destaca. Sobre as pesquisas
que mostram o crescente
descrédito em relação à
Igreja Evangélica e sua
cúpula, Gedeon lembra que
nas congregações existe
gente comum. “E gente comum
também comete erros”,
pondera. “Daí, a
credibilidade de todos vai
por água abaixo.” Na mesma
linha vai o psicólogo Ageu
Lisboa: “Muitos líderes
acabam escravizados ao medo
de serem criticados, de não
serem bons nem carismáticos
ou não serem capazes de
fazer a igreja crescer”,
enumera. “Isso compromete
sua saúde psicofísica,
podendo afetar suas relações
familiares, predispondo-os à
depressão. Daí a largar tudo
e se meter em aventuras
financeiras e eróticas é um
passo comum. Pastores assim
precisam resgatar seu
direito de serem gente
comum, nem mais santos ou
pecadores que os demais
crentes”, completa.
O missionário Marcos Cunha,
ligado ao ministério
Servindo Pastores e Líderes
(Sepal), segue a mesma linha
de raciocínio. “Virou moda
dizer-se evangélico, e isso
atrai os holofotes para as
igrejas e seus líderes, que
são humanos como todos nós e
sujeitos às mesmas
tentações. No entanto,
quando eles são expostos à
crítica pública têm seus
pecados superestimados”,
diz. A Sepal, onde Cunha
atua, presta diversos
serviços à liderança cristã
brasileira, incluindo
trabalhos de mentoria
espiritual, aconselhamento e
reciclagem voltados para
pastores e suas famílias. O
obreiro reconhece ainda que
é preciso levar em conta que
a Igreja brasileira é muito
nova, tendo se consolidado
de fato no país apenas a
partir da segunda metade do
século 20. “Estamos, digamos
assim, vivendo os dias de
adolescência. Os líderes que
podem ser reconhecidos por
sua integridade e valor
ainda são poucos, o que
deixa a brecha para o
surgimento de dirigentes sem
tanto preparo ou vocação”.
Cunha cita ainda o fato de o
número dos evangélicos ter
praticamente triplicado no
país nos últimos 20 anos,
passando, segundo o
Instituto Brasileiro de
Geografia a Estatística, o
IBGE, de pouco mais de 13
milhões para mais de 30
milhões. Como os números
atuais referem-se ao último
Censo, realizado há quase
dez anos, há quem aposte que
os crentes já estariam
beirando os 40 milhões.
“Nessa proporção, em 2020
seríamos mais de 100
milhões, numa população
projetada de 235 milhões de
brasileiros. Isso, por si
só, desperta a atenção da
sociedade. Mas temos de
parar de nos preocupar com o
que a mídia diz e buscarmos
um verdadeiro avivamento que
dê a esta Igreja uma visão
missionária, que forma
discípulos e gera um impacto
inigualável na coletividade,
com credibilidade e
influência positiva”,
completa.
“Remanescentes”
– O surgimento de lideranças
autoritárias, que não
precisam prestar contas de
seus atos, é apontado pelo
pastor Gerson Borges, da
Comunidade de Jesus de São
Bernardo do Campo (SP), como
causa de boa parte dos
problemas ocorridos no andar
de cima das igrejas. “Boa
parte desses pastores não se
submetem a nada nem a
ninguém, não prestam contas,
são senhores de si”, diz.
Além da carência de
acompanhamento e
aconselhamento, a educadora
Durvalina Bezerra acredita
que o despreparo também
contribui, e muito, para
crises na liderança. “Há uma
avalanche de pastores sem
formação alguma, e isso
contribuiu para a escassez
de obreiros de qualidade.
Falta discipulado sério para
formar o caráter, além de
preparo teológico e
critérios eclesiásticos
capazes de inibir a
proliferação de lideranças
que pregam adulterando a
Palavra de Deus e sem
comprometimento com a
verdade bíblica”, opina.
“Mas ainda existem muitos
fiéis. Deus sempre teve seus
remanescentes, que sofrem as
conseqüências do mau
testemunho dos colegas”,
acrescenta a diretora do
Seminário Betel.
“É bom que se diga que a
maioria dos mais de 200 mil
pastores evangélicos que
atuam no Brasil são como a
população de onde saíram,
enfrentando todos os
problemas da sociedade em
geral. E essa maioria vive
com baixos salários, em
condições precárias, em meio
à violência, e nem assim se
deixam corromper”, ressalva
Ageu Lisboa. Para ele, os
crentes também têm certa
culpa na equivocada
generalização que tem
colocado os ministros do
Evangelho no mesmo patamar
de descrédito. “Essa imagem
do crente como alguém que
não merece confiança é um
tipo de juízo sobre todos
nós que descuidamos de nos
questionar uns aos outros.
Se não nos avaliarmos para
correção e crescimento, o
mundo fica autorizado, pelas
Escrituras, a nos julgar. E
é o que está acontecendo”,
finaliza. |