1 Pedro
(1 Pe)
Primeira Epístola de Pedro
ESBOÇO
1 - Natureza da salvação - 1.1-21
2 - Crescimento do cristão - 1.22 - 2.10.
3 - Vida cristã prática - 2.11 - 3.22.
4 - Exortações diversas - 4.1-19
5 - Admoestações aos líderes - 5.1-14.
Texto chave - 4.1
Palavra chave - sofrimento (1.11; 2.20; 3.17; 4.19; 5.1,9,10)
Autoria
Apesar de ter sido considerado homem inculto e iletrado (At.4.13), Pedro
escreveu uma epístola de alto nível. Talvez aquele rótulo advenha do
fato de Pedro não ter freqüentado as universidades gregas da época, nem
ter sido um escriba ou doutor da lei. Contudo, isso não significa que
ele fosse analfabeto e ignorante. Se lhe faltava muito da vasta cultura
grega, o mesmo não se pode dizer quanto ao idioma, pois o grego era
falado por todas as classes sociais. Além disso, falava o aramaico e
talvez o hebraico.
Como todo bom judeu, Pedro tinha todo o conhecimento da lei de Moisés e
demais Escrituras do Velho Testamento.
A forma do seu texto pode também ter sido influenciada pela mão de
Silvano, que foi seu amanuense (I Pe.5.12).
A autoridade do autor fica evidente. Além de ser apóstolo (I Pe.1.1),
Pedro foi "testemunha das aflições de Cristo" (I Pe. 5.1). Seu ensino
estava, portanto, bem fundamentado, sendo digno de aceitação.
Além de Silvano, também Marcos estava na companhia de Pedro quando
escreveu a primeira epístola (I Pe.5.13).
Data - Os comentaristas sugerem datas entre 63 e 68 d.C. O ano
mais indicado é 64.
Destinatários - cristãos dispersos na Ásia Menor (judeus e
gentios) - 1.1; 2.10.
Durante algum tempo, Pedro foi contrário à evangelização dos gentios.
Vemos, portanto que, por ocasião do envio dessa epístola, tal problema
já tinha sido superado. Agora Pedro já aceita os gentios e os considera
tão dignos do evangelho e do reino de Deus quanto os judeus.
O apóstolo chega a tomar palavras ditas a Israel no Velho Testamento,
aplicando-as aos gentios que fazem parte da igreja. "...Antes não éreis
povo, mas agora sois povo de Deus...". (I Pe.2.9-10). Outros textos
desenvolvem esse paralelismo entre a igreja e Israel, citando o
sacrifício e o templo numa nova perspectiva (I Pe.1.19; 2.4-5).
A epístola foi dirigida aos irmãos que moravam em regiões por onde Paulo
passou e fundou igrejas. Por quê Pedro escreveria para eles? Isso faz
com que alguns entendam que, quando essa epístola foi produzida, Paulo
já teria morrido. O fato Silvano e Marcos, antigos companheiros de
Paulo, estarem com Pedro também é usado como argumento a favor dessa
hipótese.
Circunstância – A carta foi escrita numa época de grande
perseguição imperial contra a igreja após o incêndio em Roma. No livro
de Atos, os principais perseguidores eram os judeus. No período em que
Pedro escreveu, os perseguidores passaram a ser os gentios (4.3,4,12).
Características – O livro é exortativo, consolador, cristológico,
"cristocêntrico". Observamos que Tiago quase não cita Jesus em sua
carta. Pedro, porém, cita-o a todo momento. Aquele que o havia negado,
agora tem no seu nome a base de sua doutrina.
Pedro apresenta Jesus como:
● Fonte de
esperança - 1.3
● Cordeiro do
sacrifício - 1.19.
● Pedra angular -
2.6
● Exemplo perfeito
- 2.21-23.
● Aquele que levou
nossos pecados - 2.24.
● Sumo pastor -
2.25.
● Bispo das nossas
almas – 2.25.
● Aquele que está
assentado à destra de Deus - 3.22.
Coisas preciosas para Pedro
● Provas - 1.7
● Sangue - 1.19
● Pedras - 2.4
● Cristo - 2.6
● Espírito manso -
3.4
Propósito da carta - firmar, orientar, confortar.
Para os irmãos atribulados, Pedro oferece uma palavra de esperança,
menciona os fundamentos da fé cristã e o que Deus tem para nós no
futuro. Quando as tribulações se multiplicam, é bastante oportuno que
essas verdades sejam mencionadas para renovação da fé e do ânimo. A obra
de Cristo no passado (1.3) e a herança cristã no futuro
(1.4-5) são mencionados como estímulo para se enfrentarem as
dificuldades presentes (1.6).
Em tais circunstâncias, é necessário que nos lembremos de quem somos.
Nossa identidade pode estar sendo questionada pelos homens, pelo diabo (Mt.4.2)
ou até mesmo por nós mesmos. Pedro então enfatiza essa realidade
espiritual que, muitas vezes, é desafiada por uma realidade aparente
adversa. Ele utiliza enfaticamente o verbo ser: "Não éreis
povo..."; "Agora sois... povo de Deus, geração eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo adquirido..." (2.9-10). "Sois guardados,
mediante a fé, para a salvação." (1.5). "Sois edificados como casa
espiritual." (2.5).
O autor lembra aos seus leitores o que Cristo fez por eles (1.2,3,19;
2.5,21; 3.18). Nos momentos difíceis é bom lembrarmos o que Jesus fez
por nós e qual é o nosso vínculo com ele. O inimigo procura colocar tudo
isso em dúvida na hora da tentação.
ESBOÇO COMENTADO
Podemos delinear uma seqüência de pensamento na epístola, embora os
temas às vezes se intercalem.
1 - Natureza da salvação - 1.1-12
Salvos pela obra de Cristo
O autor começa sua epístola falando sobre a salvação e a herança no
céu. Os irmãos que estavam padecendo perseguições poderiam
questionar sobre o efeito de sua conversão. Talvez alguns estivessem
esperando uma herança na terra, uma vida tranqüila e próspera.
Deus pode nos dar todo tipo de bênção material, mas isso não é uma
promessa de Cristo para todo aquele que nele crê. Isso depende da
vontade de Deus para cada pessoa. O que ele promete a todos nós é a vida
eterna, uma herança nos céus.
Não podemos esperar conquistas materiais como efeito obrigatório do
evangelho. O resultado pode ser a frustração. Por outro lado, nada
impede que o cristão trabalhe para conseguir o que lhe for lícito, assim
como também fazem os não salvos. Entretanto, a busca material não se
tornará o objetivo principal da nossa vida ou da nossa fé.
2 - Crescimento do cristão - 1.13 - 2.10.
O que somos e o que devemos ser
Tendo falado da salvação, Pedro poderia agora expressar palavras
comemorativas e congratulatórias para seus destinatários como se tudo
estivesse resolvido. Contudo, não é assim. Agora que estamos salvos,
precisamos do crescimento espiritual, que só é possível mediante
o legítimo alimento espiritual: a palavra de Deus
(1.23-25; 2.1-2). A palavra "portanto", de 1.13, liga as duas seções do
texto. O "portanto" indica que considerando tudo o que foi dito antes,
seriam apresentadas, a seguir, admoestações que estariam relacionadas às
conseqüências naturais ou necessárias ao bom andamento da questão
anterior. Como dissemos, Pedro utiliza bastante o verbo "ser".
Observamos principalmente as conjugações: "sois" e "sede" em referência
ao que já "somos" pelos méritos de Cristo e por nosso compromisso com
ele, e o que devemos "ser". Observe na palavra "sede" o modo imperativo
indicando uma ordem. Pedro já disse que somos salvos...
portanto... precisamos ser:
- Santos (separados da corrupção do mundo)
1.15-16.
- Sóbrios (conscientes, atentos e
vigilantes) (1.13).
- Obedientes (1.14).
Essas poucas palavras resumem tudo o que Deus espera de nós.
3 - Vida cristã prática - 2.11 - 3.22.
O risco do pecado; vigilância; oração; serviço; comportamento;
sofrimento e glória.
Após a conversão, temos um caminho pela frente: é a vida cristã prática.
Pedro menciona situações e relações do cotidiano. O pecado é mencionado
como um risco constante (2.11-12; 4.1-6; 1.13-16). Pedro, que um
dia disse que não negaria a Cristo e acabou negando três vezes, está bem
consciente de que o pecado pode acontecer, embora não deva. Diante desse
risco real, o autor nos aconselha a orar e vigiar (4.7;
5.8-9)
Contudo, a vida cristã apresentada por Pedro não é apenas espiritual.
Não se resume à oração e à vigilância. Ele ensina o serviço cristão,
exemplificado através da hospitalidade e do ministério
(4.9-11). Não basta orar; é preciso agir, trabalhar.
Outro item abordado é o comportamento. As falhas nesta área podem
invalidar nossas orações (3.7) e nosso serviço. Pedro menciona então a
vida social e civil (2.12-17), familiar (3.1-7), profissional (2.18).
Aconselha maridos, esposas e servos.
O Sofrimento é o tema principal da epístola. Esse elemento também
faz parte da vida cristã. Esta era a situação vivida pelos destinatários
da carta. O autor diz que não devemos estranhá-lo, como se fosse algo
anormal (4.12). Então, devemos concluir que o mesmo faz parte do plano
de Deus para nós, pois ele assim o quer (3.17). Trata-se de algo
necessário (1.6). Tais afirmações podem ser chocantes. Por quê
Deus quer que soframos? Não é que ele queira o sofrimento em si, mas sim
o resultado do processo. Existem virtudes que não serão adquiridas de
outra forma. O sofrimento tem grande força didática. "Te deixei ter
fome... para te dar a entender que nem só de pão viverá o
homem..." (Dt.8.3).
Pedro menciona dois tipos de sofrimento: um pelo evangelho (perseguição,
tentações e perseguições) e outro pelo pecado (conseqüências e
punições). O autor adverte que se sofremos como cristãos, sem culpa,
então somos bem-aventurados. Se sofrermos merecidamente, então nenhuma
honra receberemos (2.19-20; 4.14-16). Lembremo-nos do Calvário. Dois
tipos de sofrimento ali aconteciam: Jesus morria inocente, enquanto que
os ladrões morriam em conseqüência dos seus próprios erros.
O sofrimento pela causa do evangelho trará como conseqüência a glória.
Esta é outra palavra importante na epístola, indicando glória presente
na vida do cristão, glória futura e também a vanglória (1.24);
(1.7,8,11,21; 2.12,20; 4.11,13,14,16; 5.1,4,10). O sofrimento é
de pequena duração quando comparado com a glória eterna
que nos aguarda (1.6; 5.10. Veja também Rm.8.18).
Queremos a glória (e às vezes até mesmo a vanglória), mas sofrimento...
jamais. Queremos colher o fruto sem plantar sua erva. Queremos
participar da glória de Cristo em sua vinda, mas não queremos participar
dos seus sofrimentos. Pedro vincula tais elementos (1.11; 4.13; 5.1).
Para justificar a necessidade e a utilidade do sofrimento, Pedro cita
Cristo como exemplo (2.21; 3.18). O mesmo apóstolo se diz testemunha das
aflições de Cristo e participante da glória. Com isso, ele deixa
subentendida sua própria participação nos sofrimentos pelo evangelho.
Diante do sofrimento somos levados a procurar seus motivos. Perguntamos:
por quê está acontecendo isso? O que eu fiz para merecer isso?
Assim, olhamos para trás em busca da causa. O sofrimento pelo
pecado pode ser assim compreendido. Podemos olhar para trás e reconhecer
nossa falha. Muitas vezes, porém, não conseguimos ligar o fato presente
ao erro cometido. No caso do sofrimento permitido por Deus sem que
tenhamos pecado, devemos olhar para frente e perguntar: para
quê está acontecendo isso? Mesmo que não possamos, em muitos casos,
saber o propósito específico, sabemos, de modo geral, que toda
adversidade que nos ocorre vem para o nosso próprio crescimento. Todo
exercício físico, corretamente realizado, contribui para o
desenvolvimento e manutenção da boa forma muscular. Tais exercícios não
são leves nem suaves. Se assim fossem, seriam inúteis. Assim são as
provações e adversidades que enfrentamos. São exercícios para o espírito
e para o caráter. Por meio deles nossa fé cresce, nossa paciência e
nossa experiência se desenvolvem. O produto do sofrimento faz com ele se
justifique e seja até mesmo valorizado por escritores bíblicos como
Pedro e Paulo (Rm.5.3-5).
O ouro é retirado da jazida em estado bruto, cheio de sujeira e
deformidades. Contudo, não será rejeitado por isso. Da mesma forma Deus
nos resgata: sujos e deformados. Ele não rejeita a sua vida, por mais
sujo que você esteja. Podemos até lavar aquela pepita de ouro, mas isso
não será suficiente. Algumas impurezas estão encrustadas no metal.
Então, o ourives precisa levá-lo ao fogo (Malaquias 3.2). Pedro compara
o fogo às tribulações e diz que assim como o ouro precisa passar pelo
fogo, da mesma forma nossa fé precisa ser provada para que sejamos
aprovados (I Pe.1.7). O fogo, por mais destruidor que seja, só destrói
as impurezas do ouro. No final do processo, o metal está limpo,
brilhante, e muito mais valorizado. Assim acontece conosco.
Em sua primeira epístola, Pedro menciona muitos termos negativos e
muitos outros positivos. Pode parecer conflito ou paradoxo, mas não é.
Nossa vida é assim. Todos os elementos negativos do processo são
necessários para que os positivos se manifestem. É uma relação
necessária. Sem morte não haverá ressurreição. Primeiro vem o fogo,
depois o brilho e o valor. Só não é necessário o pecado nem o sofrimento
que dele advém, já que não produz nenhum benefício, exceto uma lição que
deveria ter sido aprendida de outra forma.
Vejamos então as palavras negativas e positivas encontradas em I Pedro
NEGATIVAS |
POSITIVAS |
Sofrimento - 5.9
Fogo - 1.7.
Provação - 4.12
Tristeza - 1.6; 2.19.
Aflição - 4.13; 5.1
Vitupério - 4.14
Padecimento - 5.10 |
Fé - 1.21; 5.9
Glória, honra - 1.7,8,21; 2.17,20; 4.11,14; 5.1,10
Esperança - 1.21
Alegria, exultação, gozo inefável - 1.8; 4.13
Amor - 1.20,22; 2.17; 3.8; 4.8
Misericórdia - 1.3; 2.10
Paz - 1.2; 3.11; 5.14.
Graça - 1.2; 5.5,12
Louvor - 1.7; 2.14
Dias felizes - 3.10 |
Muitas vezes, as experiências negativas são presentes, enquanto que o
benefício está indicado para o futuro (I Pe.1.4-5; 4.13; 5.1,4,6,10).
Contudo, já no tempo presente experimentamos a esperança, a paz, a
alegria, o amor, a misericórdia, etc. A glória, ou exaltação, é o
principal elemento localizado no futuro, vinculado à segunda vinda de
Cristo.
4 - Exortações diversas - 4.1-19
Nesse bloco são incluídos diversos conselhos sobre comportamento, amor
mútuo, serviço e novamente sobre o sofrimento.
5 - Admoestações aos líderes - 5.1-14.
Pedro se dirige especialmente aos anciãos, os presbíteros da igreja,
dizendo que os mesmos deviam ser exemplo para o rebanho e não
dominadores. O líder não deve agir como se fosse dono das ovelhas, como
se fosse senhor de suas vidas. Liderança não é manipulação nem opressão,
mas orientação amável. A ovelha deve ser vista como alvo de cuidado e
proteção e não como fábrica de leite e lã, embora ela os produza.
DESTAQUES DA CARTA
PEDRAS VIVAS
O texto de Mateus 16.16-18 tem sido objeto de muitas discussões. Seria
Pedro a pedra fundamental da igreja? Em sua primeira epístola, o
apóstolo diz que todos os cristãos são "pedras vivas" e que Cristo é a
principal pedra da construção que é a igreja. Se é assim, então Pedro
continua pedra, como é o significado do seu nome. A igreja está firmada
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. Eles foram as pedras
fundamentais da igreja. Porém, Cristo é a pedra principal. Sem ele, a
construção não existiria.
Qual é a relação entre tais pedras e a igreja? Tal fundamento está
diretamente ligado às vidas, obras e ensinamentos desses homens, os
apóstolos e profetas. Eles foram os primeiros a compor a igreja do
Senhor. O próprio Jesus, por sua vez, é a pedra principal pois deu sua
própria vida para que a igreja existisse. Foi ele quem resgatou com seu
sangue todos aqueles que fariam parte dessa construção espiritual.
Voltando às palavras de Pedro, todos nós somos pedras vivas, fazendo
parte da igreja. Não fazemos parte do fundamento, pois a igreja já
existia antes de nós. Porém, fazemos parte da obra, estando apoiados
sobre os que nos antecederam e servindo de base para os que se inspiram
em nosso testemunho e palavra ( I Pe.2.4-8; I Cor.3.11; Ef.2.20-22).
A PREGAÇÃO AOS MORTOS
"Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos
injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas
vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em
prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de
Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual
poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água." (I Pe.3.18-20).
Este é um dos textos mais misteriosos das Sagradas Escrituras. As
polêmicas em torno do seu significado não têm fim. Procuraremos expor
resumidamente as principais linhas de interpretação do assunto em
questão. Leia também I Pe.4.5-6, Rm.10.7, Salmo 16.10 e Ef.4.9. Neste
assunto, além dos católicos não concordarem com os protestantes, estes
últimos não concordam entre si. Encontramos posições diferentes de uma
denominação evangélica para outra.
A pergunta inicial é: Jesus foi ao inferno? O texto de Pedro não está
dizendo isso, mas esta tem sido, muitas vezes, a interpretação adotada,
principalmente por causa de outros textos bíblicos, dos credos da igreja
católica e dos livros apócrifos, alguns dos quais mencionam
explicitamente a descida de Cristo ao inferno entre sua morte e sua
ressurreição. Por exemplo podemos citar o chamado "credo dos apóstolos"
e os apócrifos: "Evangelho de Bartolomeu" e "Evangelho de Nicodemos". Um
paralelo entre tais escritos e os textos bíblicos mencionados produzem a
interpretação correspondente.
Questão |
Respostas encontradas nos comentários |
Jesus foi ao inferno? |
Sim |
Não |
Como ele foi? |
Em seu espírito humano |
em carne e espírito |
Através do Espírito Santo |
De jeito nenhum. |
A quem ele pregou? |
Aos justos |
Aos ímpios (todos ou só aos da
época de Noé) |
A justos e ímpios. |
Aos anjos caídos. |
A ninguém |
O que ele pregou? |
O evangelho |
Sua vitória |
O evangelho e sua vitória |
Nada |
Com que objetivo? |
Salvar os justos |
Salvar os ímpios |
Salvar a todos |
Declarar sua vitó-ria |
Sofrer
(batismo de fogo?) |
Nenhum |
Qual foi o efeito? |
Salvação e ressurreição dos
justos. |
Salvação dos ímpios. |
Salvação de todos. |
Conde-nação dos ím-pios |
|
Nenhum |
O quadro apresentado assemelha-se a uma prova de múltipla escolha onde
existem alternativas para todos os gostos, inclusive para quem não gosta
de nenhuma. Contudo, trata-se apenas da exposição das diversas
interpretações do texto de I Pedro 3.18-20, juntamente com uma série de
pressupostos considerados em cada caso.
Cada alternativa traz uma série de conseqüências naturais (?) ou
teologicamente necessárias, formando assim um intrincado conjunto de
perguntas intrigantes, respostas incertas e dúvidas crescentes. Uma vez
que o próprio texto bíblico não foi claro sobre o assunto, torna-se
muito improvável que possamos sê-lo. Contudo, tal exposição poderá
ajudar o estudante a tirar suas próprias conclusões.
Algumas alternativas apresentadas podem ser refutadas pelo simples
retorno ao texto de I Pedro. A passagem não diz que ele foi pregar aos
justos e nem que teria sido a todos os mortos ou a todos os ímpios. São
mencionados apenas os ímpios que viveram nos dias de Noé. Alguns
comentaristas estendem tal pregação a todos os mortos, utilizando o
texto de I Pedro 4.5-6, onde isso fica mais evidente.
Dizer que Cristo foi em carne e espírito ao inferno, seria o mesmo que
ele estava vivo antes da ressurreição. Se carne e espírito estão juntos,
então não estamos falando de Cristo durante seus três dias em estado de
morte.
Dizer que o Espírito Santo foi ao inferno resgatar alguém é fazer uma
grande confusão entre as funções das pessoas da trindade. Tal equívoco
se dá pelo fato de que algumas traduções usam a palavra "Espírito" com
letra maiúscula em I Pe.3.18.
Aqueles que dizem que Cristo não foi ao inferno, afirmam que ele foi se
apresentar ao Pai após sua morte. Mencionam como argumento as palavras
de Jesus ao ladrão crucificado: "Hoje estarás comigo no paraíso." (Lc.23.43
e 46). Como explicariam então o texto de Pedro? Calvino chegou a afirmar
que a cruz foi o "inferno" experimentado por Cristo. Para os
anabatistas, este mundo foi o "inferno" ao qual Cristo desceu ao
encarnar.
Pelo que ficou registrado nos livros, até o século IV d.C. era
plenamente aceita a idéia de que Cristo tenha mesmo descido ao inferno,
assim identificado como o "lugar dos mortos". Somente a partir do século
V é que passou-se a questionar tal sentido. Nesse tempo, Agostinho
propôs o seguinte entendimento para o texto de Pedro: o evangelho teria
sido anunciado aos mortos no tempo em que os mesmos estavam vivos.
Assim, os contemporâneos de Noé teriam ouvido a pregação antes do
dilúvio. O espírito de Cristo, mencionado em I Pe.3.18, estaria agindo
através de Noé, o pregoeiro da justiça. Tal interpretação, bastante
inteligente, não explica o texto de I Pe.4.5-6, onde todos os mortos
parecem estar envolvidos. Além disso, o texto de I Pe.3.18-20 fala que a
pregação foi dirigida a "espíritos em prisão" e não a pessoas vivas.
O texto de Atos (2.27-31) talvez seja o mais claro para que se conclua
que Cristo foi ao inferno. O autor utiliza a palavra Hades. Esta palavra
estaria sendo usada em referência a um lugar espiritual? ou simplesmente
à sepultura? (2.29) ou apenas ao estado de morte? (2.31). Algumas
versões usam a palavra "hades" (A.R.C.) enquanto outras a traduzem como
"morte" (Thompson e A.R.A). A versão católica dos Monges de Maredsous
menciona "região dos mortos", o que não indica um sentido estritamente
físico ou espiritual. A bíblia das Edições Loyola utiliza a expressão
"mansão dos mortos". A versão do padre Antônio Pereira de Figueiredo
traduz "hades" como "inferno".
A palavra "hades" é grega e se origina da mitologia dos gregos, sendo
utilizada para identificar o lugar espiritual para onde vão os mortos. O
hades estaria divido em duas partes: O "elísio" para os bons e o
"tártaro" para os maus. Os hebreus tinham uma concepção semelhante sobre
a região dos mortos. Chamavam-na de seol, ou sheol, também com um lugar
para os justos e outro para os ímpios. Entretanto, sheol também
significa sepultura. Como o Novo Testamento foi escrito em grego, então
foram usadas as palavras gregas que mais se aproximavam do conceito
hebraico. Assim, a dúvida sobre lugar físico ou espiritual prevalece.
Sheol (ás vezes traduzido como inferno ou sepultura): Gn.37.35;
Nm.16.30; Jó 21.13; Salmo 9.17; Pv.5.5; 7.27; 9.18; 15.24; 23.14; Dt.32.22;
Jó 26.6; Pv.15.11; 27.20; II Sm.22.6; Salmo 18.5; 116.3; Os.13.14.
Hades (às vezes traduzido como inferno): At.2.27,31; Mt.11.23;
16.18; Lc.10.15; Lc.16.23; Ap.1.18; 6.8; 20.13-14.
Geena (às vezes traduzido como inferno): Mt.5.22,29,30; 10.28;
18.9; 23.15; 23.33; Lc.12.5; Tg.3.6; Mc.9.43-48.
Tártaro (às vezes traduzido como inferno): II Pe.2.4.
O Velho Testamento passa a idéia de que o Sheol é um lugar para onde vão
todos os mortos, bons e maus. É normalmente identificado com o hades do
Novo Testamento. Veja que em Atos 2, a citação do Salmo 16, troca Sheol
por Hades.
Os luteranos interpretam hades como sinônimo de inferno e seio de Abraão
como paraíso. Utilizam a passagem de Lucas 16.22-25. O paraíso seria o
lugar para onde o cristão iria imediatamente após a morte, a
encontrar-se com Cristo (Filipenses 1.23).
Os católicos romanos dividem o hades em: inferno, purgatório, limbus
patrum e limbus infantum. Eles entendem que Cristo tenha ido ao limbus
patrum ou seio de Abraão, onde estariam os justos do Velho Testamento
aguardando a salvação cristã. Apesar da boa organização de idéias, tal
teoria não tem apoio bíblico, já que a Bíblia não menciona purgatório
nem limbus.
É bastante antiga a idéia de que alguém pudesse descer ao hades com
alguma missão. De acordo com a mitologia grega, Hércules teria ido até
lá. Histórias semelhantes são encontradas na literatura babilônica,
egípcia, e romana. Conforme Orígenes, houve entre os judeus a crença de
que os profetas do Velho Testamento tenham ido ao seol, onde
continuariam seu ministério de pregação. Tal suposição aparece também no
Talmude. Assim, a crença de que Cristo teria ido ao inferno não seria de
difícil aceitação. Alguns, como Clemente de Alexandria, chegaram a dizer
que os apóstolos também teriam ido ao hades após suas mortes para pregar
e que também os demais cristãos teriam essa missão. Isso seria usado por
alguns para justificar mortes de pessoas jovens (J.Paterson Smith).
Afinal, segundo essa tese, essas pessoas teriam grande trabalho a
executar na região dos mortos.
Apresentamos, a seguir, outro quadro comparativo sobre o assunto,
destacando a posição denominacional e de alguns líderes e teólogos.
Cristo
foi e salvou os justos |
Cristo
foi e salvou a todos |
Cristo
não foi ao inferno. |
Cristo
foi mas não salvou ninguém |
Cristo
salvou apenas algumas pessoas |
Defendido por católicos |
Algumas igrejas reformadas |
Anabatistas |
Luteranos |
Lutero, mais tarde assumiu essa
posição. |
Algumas igrejas reformadas. |
Arminianos |
* Calvinistas |
Flacius |
|
Zwínglio |
|
Agostinho |
Calov |
|
Marcion |
|
|
Wolf |
|
Tertuliano |
|
|
Buddeus |
|
|
|
|
Aretius |
|
|
|
|
* Calvino |
Encontramos duas posições distintas atribuídas a Calvino em relação à
ida de Cristo ao inferno. Não sabemos se ele mudou de idéia como ocorreu
com Lutero. Uma das fontes consultadas foi escrita por um calvinista e
nega a ida literal de Cristo ao inferno.
Alguns livros apócrifos afirmam que Cristo esvaziou o inferno, salvando
todos os que ali estavam. Essa idéia serve bastante aos que pregam o
"universalismo", que consiste na crença em uma salvação universal. Tais
teólogos afirmam que ninguém escapará do alcance da graça de Deus e,
finalmente, todos serão salvos, até mesmo os anjos caídos. Se assim
fosse, então não precisaríamos pregar o evangelho.
Para o melhor entendimento possível a respeito desse assunto é
fundamental que consideremos o ensino geral da Bíblia. Qualquer
suposição deve ser confrontada com outros textos das escrituras para que
se conclua sobre sua prevalência ou não.
Jesus teria ido pregar aos mortos para que estes se salvassem? Tal
entendimento não parece coerente com outras passagens das escrituras.
Se, depois de viverem e morrerem no pecado, todos os ímpios ainda
pudessem se salvar, então de nada teria valido a vida de justiça dos
justos, já que todos acabariam no mesmo lugar e na mesma situação:
salvos.
É bem provável que Jesus tenha anunciado o evangelho aos justos do Velho
Testamento, embora o texto de I Pedro 3.18-20 não os mencione. O fato é
que muitos deles ressuscitaram após a ressurreição de Cristo, conforme
está em Mateus 27.51-53. Davi disse: "Não deixarás minha alma no hades."
Além de estar profetizando sobre Cristo, ele não poderia também estar
falando sobre sua própria alma, conforme uma interpretação literal do
Salmo?
Os ímpios mortos também teriam ouvido a respeito do evangelho mas não
poderiam ser salvos. Contudo, tal conhecimento serviria para legitimar a
autoridade de Cristo para julgá-los no último dia. "... Áquele que está
preparado para julgar os vivos e os mortos. Pois é por isto que
foi pregado o evangelho até aos mortos..." (I Pe.4.5-6).
Jesus teria descido para tomar as chaves da morte e do inferno das mãos
do Diabo? Os calvinistas dizem que isso não faz sentido, já que o Diabo
nunca teve tais chaves. Por outro lado, podemos também questionar: quem
disse que o Diabo mora no inferno? Pelo que sabemos, ele habita o
planeta terra e circula pelas regiões celestiais. Muitas vezes o inferno
é mencionado pelas pessoas como um lugar onde o Diabo mora e faz suas
reuniões estratégicas com os seus demônios. Em algumas dessas supostas
reuniões, eles estão eufóricos com seus planos e realizações. Não
estaríamos alimentando um folclore religioso com tudo isso? Afinal, a
bíblia mostra o inferno como um lugar de tormento e não de reuniões
satânicas. Se o Diabo lá estivesse, estaria sofrendo tormentos e não
fazendo planos.